DENGUE: IMUNOPATOGÊNESE

DENGUE: IMUNOPATOGÊNESE

Entendendo a Complexa Relação entre o Hospedeiro e o Vírus

A dengue é uma doença viral transmitida pelo mosquito Aedes aegypti causada por um dos quatro sorotipos do vírus da dengue (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). É considerada a principal arbovirose que impacta a população no continente americano. É uma enfermidade febril aguda causada por vírus, geralmente evoluindo de forma benigna, embora possa se manifestar em duas formas clínicas distintas: Dengue Clássica e Febre Hemorrágica da Dengue/Síndrome do Choque da Dengue.

DENGUE: IMUNOPATOGÊNESE

Resposta Imunológica

A resposta imune inicial desempenha um papel crucial na contenção da infecção viral. As células infectadas liberam citocinas pró-inflamatórias, como o interferon alfa e beta, para induzir um estado antiviral nas células vizinhas. Além disso, as células dendríticas ativam as células T e B adaptativas, desencadeando uma resposta imune específica contra o vírus.

A resposta imune adaptativa é mediada principalmente por células T e B. As células T CD8+ citotóxicas desempenham um papel importante na eliminação das células infectadas pelo vírus dengue, enquanto as células T CD4+ ajudam a modular a resposta imune. As células B, por sua vez, produzem anticorpos específicos contra o vírus.

Sorotipos e Tropismo Celular 

Atualmente, existem quatro sorotipos distintos do vírus da dengue: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4. Quando uma pessoa é infectada por qualquer um desses sorotipos, desenvolve a dengue. Após se recuperar, adquire imunidade vitalícia contra o sorotipo específico que a infectou. No entanto, essa imunidade não protege contra os outros sorotipos do vírus da dengue.

Essa peculiaridade se deve ao fato de os sorotipos do vírus apresentarem semelhanças sorológicas, mas diferenças antigênicas significativas. Em outras palavras, o sistema imunológico reconhece e responde de forma específica a cada sorotipo, produzindo anticorpos que oferecem proteção duradoura contra a reinfecção pelo mesmo sorotipo. 

No entanto, essa proteção não é eficaz contra os outros sorotipos, pois o sistema imunológico não reconhece completamente suas características antigênicas únicas. Isso significa que uma pessoa pode ser infectada por diferentes sorotipos ao longo da vida, o que pode complicar o quadro clínico e aumentar o risco de desenvolver formas graves da doença.

O vírus da dengue tem tropismo por células do sistema imunológico, como os monócitos, macrófagos e células dendríticas, que são responsáveis pela defesa do organismo contra infecções. Após a picada do mosquito infectado, o vírus entra na corrente sanguínea e infecta essas células, se replicando e se espalhando para outros tecidos.

O vírus da dengue também apresenta tropismo pelo endotélio vascular, que é a camada de células que reveste os vasos sanguíneos. A infecção do endotélio vascular leva à alterações na permeabilidade vascular, causando extravasamento de fluidos e células sanguíneas para os tecidos circundantes, o que pode resultar em complicações graves, como a dengue hemorrágica.

O Perigo da Reinfecção

A reinfecção pela dengue aumenta o risco de formas mais graves da doença devido a um fenômeno conhecido como aprimoramento dependente de anticorpos. Este fenômeno ocorre devido à presença de múltiplos sorotipos do vírus da dengue, sendo que a infecção por um sorotipo oferece proteção duradoura contra esse sorotipo específico, mas não contra os outros.

Quando uma pessoa que já teve dengue é infectada por um sorotipo diferente do vírus, os anticorpos produzidos durante a infecção anterior podem, na verdade, facilitar a entrada do vírus na célula hospedeira em vez de neutralizá-lo. Isso ocorre porque os anticorpos reconhecem e se ligam ao vírus, mas não o neutralizam completamente. Em vez disso, a ligação dos anticorpos pode promover a internalização do vírus através de receptores Fc nas células do sistema imunológico, como os macrófagos e os monócitos.

Essa internalização facilitada do vírus resulta em uma replicação viral mais eficiente e rápida, o que pode levar a uma resposta imune mais intensa e desregulada. Como resultado, há um aumento na produção de citocinas pró-inflamatórias, uma ativação exacerbada de células T e uma maior resposta inflamatória sistêmica. Isso pode levar a uma série de complicações graves, como a dengue hemorrágica.

Alterações Laboratoriais

O hemograma é o exame inicial e fundamental na investigação da dengue, fornecendo informações importantes sobre a contagem de células sanguíneas. Nele, é comum observar leucopenia, uma redução significativa no número de leucócitos, por vezes chegando a valores inferiores a 2,0×10^9 /l. Além disso, é frequente a presença de neutropenia, caracterizada pela diminuição dos neutrófilos, acompanhada por linfócitos atípicos. 

Também é observada trombocitopenia, uma diminuição no número de plaquetas, com valores abaixo de 100×10^9 /l, isso porque o vírus da dengue possui proteínas em sua superfície que se ligam a receptores específicos nas células hospedeiras. As plaquetas têm receptores que são compatíveis com essas proteínas virais, o que permite a entrada do vírus na célula.

No entanto, é importante ressaltar que o padrão de distribuição das células sanguíneas pode variar na dengue. Apesar da leucopenia e linfocitose atípica serem características esperadas, a presença de leucocitose, um aumento no número de leucócitos, não exclui a possibilidade de dengue. Além disso, ao longo da evolução da doença, é comum ocorrer hemoconcentração, um aumento na concentração de células sanguíneas, e plaquetopenia, principalmente durante o período de declínio da febre.

Outros achados laboratoriais importantes incluem alterações nas enzimas hepáticas, que podem estar elevadas, indicando acometimento do fígado. Em alguns casos, essa alteração hepática pode ser grave e até fatal. Portanto, o acompanhamento regular do hemograma e dos parâmetros bioquímicos é essencial para o diagnóstico e manejo adequado da dengue.

Conclusão

A imunopatogênese da dengue representa um intrincado equilíbrio entre a resposta imune do hospedeiro e a replicação viral. Ao longo das décadas, pesquisadores têm desvendado os mecanismos complexos pelos quais o vírus da dengue interage com o sistema imunológico humano, resultando em uma variedade de manifestações clínicas, desde a forma leve da doença até casos graves como a dengue hemorrágica.

A compreensão dos mecanismos imunológicos envolvidos na imunopatogênese da dengue é essencial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção e tratamento. 

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Referências

BIASSOTI, AMABILE VISIOTI; ORTIZ, MARIANA APARECIDA LOPES; DA DENGUE, DIAGNÓSTICO LABORATORIAL. Diagnóstico laboratorial da dengue. Uningá Review, v. 29, n. 1, 2017.

SANTOS, Amanda Aparecida Costa et al. Dengue: Sorotipos e suas adversidades. UNILUS ensino e pesquisa, v. 13, n. 30, p. 212, 2016.

CUNHA, Maria da Consolação Magalhães et al. Fatores associados à infecção pelo vírus do dengue no Município de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, Brasil: características individuais e diferenças intra-urbanas. Epidemiologia e serviços de saúde, v. 17, n. 3, p. 217-230, 2008.