Poiquilocitose: anormalidades nas formas dos eritrócitos

O termo “poiquilocitose” tem origem grega e deriva da palavra “Poikilos” que significa variado. No contexto hematológico se refere às diversas alterações morfológicas que podem ocorrer nos eritrócitos. Os poiquilócitos, ou seja, as hemácias com alterações estruturais, assumem formas variadas devido a eritropoiese inadequada e/ou durante a sua formação. 

Os poiquilócitos podem ser oriundos de causas extrínsecas como por exemplo uso de drogas, contato com substâncias químicas ou toxinas, e até mesmo forma artefatual devido à exposição ao  calor, corrente de ar e pela força mecânica anormal na hora da confecção do esfregaço sanguíneo. Diante disso, é crucial ter conhecimento sobre a morfologia eritrocitária, pois além de saber interpretá-la corretamente é preciso distinguir as alterações verdadeiras das artefatuais. 

Embora a maioria das alterações estruturais presentes nos eritrócitos sejam inespecíficas, fornecem  ao médico clínico informações valiosas que auxiliam no diagnóstico diferencial. Por isso o Conselho Internacional de Normalização em Hematologia (ICSH) recomenda fortemente relatar e quantificar as características da morfologia dos eritrócitos presentes na distensão sanguínea. 

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A poiquilocitose deve ser relatada em lado como discreta, moderada ou acentuada conforme a quantidade de poiquilócitos identificados.  A presença de uma forma anormal de hemácias é considerada poiquilocitose discreta, duas formas alteradas é poiquilocitose moderada e, três ou mais formas alteradas, poiquilocitose acentuada. Além disso, todas as vezes que a presença de poiquilocitose for relatada em laudo, obrigatoriamente é necessário informar e quantificar (+, ++ ou +++) as formas anormais presentes na distensão sanguínea. 

Agora que se tem conhecimento acerca da relevância e da metodologia para relatar a presença de poiquilocitose em um relatório laboratorial, é imprescindível familiarizar-se com as diferentes categorias de poquilócitos.

Aprenda a como identificar um bom campo de leitura. Clique aqui: https://inml.com.br/como-analisar-a-distensao-sanguinea-corretamente-em-07-passos/

Poiquilócitos

Poiquilócitos são eritrócitos com formas anormais em relação aos eritrócitos normais. Eles podem ser encontrados em vários distúrbios hematológicos e são resultado de produção anormal de células pela medula óssea ou de danos sofridos pelos eritrócitos normais após sua liberação no sangue periférico. 

Conheça-os abaixo:

Eliptócitos ou ovalócitos

Embora alguns autores e o International Council for Standardization in Haematology (ICSH) utilizem os termos eliptócitos e ovalócitos como sinônimos para referirem às hemácias elípticas, alongadas e com as extremidades arredondadas (forma de charuto), uma vez que essas alterações estruturais são causadas por defeitos genéticos nas proteínas espectrina, 4.1 e glicoforina C, existem diferenças morfológicas entre elas. Os eliptócitos são hemácias mais alongadas, com menor diâmetro e lados paralelos. Já os ovalócitos são hemácias com os lados mais curvilíneos e forma alongada oval. 

Ambas hemácias podem ser vistas em casos de deficiência de ferro, talassemias, mielofibrose, síndromes mielodisplásicas, hepatite C e, às vezes, em anormalidades enzimáticas eritrocíticas hereditárias, como a deficiência de piruvatoquinase. A presença de macrovalócitos, por exemplo, pode ser sugestivo de anemia megaloblástica. A dica para saber se essas alterações morfológicas são reais ou artefatuais é observar a sua disposição no esfregaço, se estiverem no mesmo sentido, ou seja, apontando todos para o mesmo lado é artefatual.

Eliptócitos

Drepanócitos

Este tipo de poiquilócito é formado a partir de uma mutação da globina Beta formando a globina S. A falta de oxigênio polimeriza a globina S e altera a morfologia eritrocitária. Na sua morfologia típica, os drepanócitos apresentam-se com formato alongado, extremidades pontiagudas e uma coloração central mais densa. Essa alteração estrutural causa a perda de flexibilidade e elasticidade e em consequência disso, lesiona as paredes dos vasos sanguíneos durante a sua passagem culminando em processo inflamatório, ativação da coagulação e isquemia. A sua presença na distensão sanguínea é altamente indicativa de doenças falciformes (SS, SC, SD e S-Beta Talassemia).

Drepanócitos (não confundir com eliptócitos)

Entenda a diferença: https://atlasemhematologia.com.br/sem-categoria/eliptocitos-e-drepanocitos-nao-confunda/

Codócitos ou hemácias em alvo

Caracteriza-se pela má distribuição de hemoglobina por excesso de membrana. In vivo, têm formato de sino, quando distendidos na lâmina, achatam-se, formando a célula característica, apresentando uma área redonda central hemoglobinizada, uma faixa circular esbranquiçada e outra faixa hemoglobinizada, por isso em alvo. É comumente observada em condições como hemoglobinopatia C (homozigota), doenças hepáticas, anemias hemolíticas, associação da hemoglobina C com talassemias, anemia falciforme e deficiência de ferro pós-esplenectomia.

Codócitos

Hemácias em concha

A alteração morfológica em formato de concha ocorre quando uma hemácia em alvo apresenta duas bordas dobradas, representando o estágio inicial do processo de falcização dos eritrócitos. Essa modificação estrutural também é conhecida como cymbiforme devido à sua semelhança com a forma de um barco e pode ser vista principalmente em casos de hemoglobinopatia SC.

Hemácias em concha

Estomatócitos

Os estomatócitos são poiquilócitos que apresentam uma fenda linear e um estroma central  (formato de fenda ou  boca de peixe). Essas alterações estruturais ocorrem devido a expansão do folheto interno da dupla camada lipídica que constitui a membrana eritrocitária ou in vitro, em resposta à baixo pH ou à exposição a fármacos lipossolúveis catiônicos, como a clorpromazina.  As condições clínicas mais comumente associadas a essa morfologia são a estomatocitose hereditária (principalmente), alcoolismo agudo e cirrose hepática.

Estomatócitos

Equinócitos ou hemácias crenadas

Os equinócitos são eritrócitos que perderam o formato discóide e apresentam-se cobertos de pequenas espículas rombudas de forma e distribuição relativamente regulares. Essas hemácias podem ocorrer junto com esferócitos e eliptócitos e, estão associadas ao aumento de ácidos graxos, tratamentos com heparina, uremia, insuficiência renal, hepatopatias, síndrome hemolítica-urêmica, carcinoma gástrico, úlceras pépticas, deficiência de piruvatoquinase e mergulho em grandes profundidades. A dica para saber se são reais ou artefatuais é observar a disposição das suas espículas, se estiverem dispostas em 3d (com alguma espícula apontando na sua direção) são reais.

Equinócitos

Acantócitos

Os acantócitos são hemácias com espículas citoplasmáticas distribuídas de forma aleatória, heterogênea e irregular. São comuns na abetalipoproteinemia, mas também podem ocorrer em anemias hemolíticas, cirrose hepática, administração de heparina, hemangioma hepático, hepatites neonatais e pós-esplenectomia.

Acantócitos

Esquizócitos

Os esquizócitos são fragmentos de hemácias anormais com ângulos agudos produzidos por danos mecânicos na circulação ou fluxo sanguíneo turbulento. No sangue de indivíduos normais, em adultos não excedem 0,2% dos eritrócitos, mas nos recém-nascidos podem chegar a 1,9% e em prematuros a até 5,5%.

Além disso podem ser observados em casos de gestação, presença de prótese valvulares no coração e em circunstâncias patológicas como na púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítica urêmica, síndrome de HELLP e coagulação intravascular disseminada. Quando resultam de dano mecânico, os esquizócitos geralmente coexistem com queratócitos.

A presença de quantidade elevada de esquizócitos pode elevar a contagem automatizada do número de plaquetas, uma vez que o aparelho não consegue distinguir os fragmentos de hemácias das plaquetas. Nesse caso é necessário a confirmação do número de plaquetas presentes na distensão sanguínea.

Esquizócitos

Hemácias em bolha

A fusão da membrana celular interna resulta na formação de bolhas no interior da célula, dando origem às hemácias em bolha. Isso leva a uma concentração desigual de hemoglobina em um lado da hemácia. Essas hemácias em bolha podem ocorrer em pacientes com deficiência de glicose-6-fosfatodesidrogenase (G6PD), embolias pulmonares, anemias falciforme e microangiopáticas. Sua presença é rara em outros tipos de anemia.

Hemácias em bolha

Queratócitos

Os queratócitos adquirem a denominação de “hemácias mordidas” devido à sua formação resultante de uma ou mais “mordidas” realizadas por macrófagos no baço. A presença de corpos de Heinz, danos celulares traumáticos ou a ruptura das hemácias em bolha desencadeiam essa formação. Encontramos frequentemente tais queratócitos em condições patológicas, como hemólises microangiopáticas, coagulação intravascular disseminada, nefropatias (como glomerulonefrite e uremia) e no período pós-transplante.

Queratócitos

Esferócitos


Os esferócitos são hemácias compactas, com formato esférico e de contorno regular, sem área de palidez central. Defeitos genéticos da proteína de membrana espectrina, a interação entre hemácias revestidas de imunoglobulina ou complemento, e a fagocitose de fragmentos de hemácias por macrófagos residentes do baço são mecanismos pelos quais essas hemácias podem se formar. A presença de esferócito é mais comum em casos de esferocitose hereditária, anemias hemolíticas autoimunes, sepse, ação da toxina clostrídica, queimaduras, picadas de cobra e afogamento em água doce.

Esferócitos

Hemácias pinçadas

As hemácias pinçadas são eritrócitos que apresentam fragmentação com sobreposição (entelhado), possivelmente devido ao traumatismo causado pelos filamentos de fibrina presentes nos capilares. Estão normalmente associadas a transtornos eritrocitários como anemias diseritropoiéticas congênitas, esferocitose hereditária associada à deficiência de proteína Banda-3, coagulação intravascular disseminada, síndrome hemolítico-urêmica, púrpura trombocitopênica trombótica, doença renal, anemia hemolítica microangiopática, eritroleucemia , infecção por SARS-COV-2 e, mais raramente, em hemólise induzida por drogas oxidantes

Hemácias pinçadas

Hemácias borradas

As hemácias borradas apresentam deformação e aparência imprecisa devido à perda do contorno de sua membrana celular. Isso ocorre quando os níveis de triglicerídeos ultrapassam 1000mg/dL, prejudicando o equilíbrio da composição da membrana. 

Hemácias borradas

Hemácias cruzadas

São poiquilócitos que se sobrepõe em forma de “X” e com alterações de cargas elétricas, foram observadas em grande número por campo em raros pacientes com eliptocitose hereditária. Em pacientes que apresentam este fenômeno, as hemácias foram lavadas com solução salina a 0,9%, por 5 vezes. Após a lavagem, foram confeccionados alguns esfregaços, e a pesquisa citológica de hemácias “cruzadas” foi negativa, comprovando a alteração de cargas elétricas entre as hemácias, anulada pela lavagem delas (técnica sugerida pelo Prof. Dr. Paulo Cesar Naoum).

Hemácias cruzadas

Dacriócitos

A formação dessa variação de poiquilócitos ocorre devido ao estiramento excessivo além dos limites de elasticidade durante a passagem pelas fenestrações entre cordões e sinus medulares do baço. As hemácias assumem formas de lágrima, pêra ou raquete, e os formatos podem ser identificados em condições como diseritropoiese, certas anemias hemolíticas, anemia megaloblástica, talassemia maior e mielofibrose. A retirada do baço implica na redução do número de dacriócitos, sugerindo hematopoiese extramedular ou danos causados pelos macrófados residentes do baço devido à presença de corpos de Heinz ou precipitados de hemoglobina nas hemácias. A dica para saber se são reais ou artefatuais é observar a sua disposição no esfregaço, se estiverem apontando todos para o mesmo lado é artefatual.

Dacriócitos

Picnócitos

Os picnócitos são eritrócitos que possuem o formato alongado e a hemoglobina retraída para as laterais da célula. Em consequência disso é possível observar a região central da célula vazia, ou seja, sem hemoglobina. Esses poiquilócitos são de baixa ocorrência, mas podem ser notados na deficiência de G6PD, anemia hemolítica intravascular, anemia microangiopática, anemia hemolítica grave e na deficiência hereditária de lipoproteína.

Picnócitos

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Referências

  • de MELO, Márcio A. W; da SILVEIRA. Cristina M. Laboratório de hematologia: teorias, técnicas e atlas. 1. ed. –Rio de janeiro: Rubio, 2015. 
  • BAIN, Barbara J. Células sanguíneas: um guia prático.  5. ed. Porto Alegre. Artmed, 2016.
  • PALMER, L., et al. ICSH recommendations for the standardization of nomenclature and grading of peripheral blood cell morphological features. Int J Lab Hematol.  v. 37. n. 3. p.:287-303, 2015. 
  • DIENSTMANN, G; SANTOS, V. B; COMAR, S. R. Pincer cells or mushroom-shaped red blood cells in a patient affected by COVID-19. Brazilian Journal of Clinical Analyses. p. 1, 2021